Como dizia meu pai, sentado na soleira com o rádio de pilha ligado no noticiário da roça: “Quando até o dono da fazenda resolve vender a cerca mais torta, é porque o engenheiro já tem planta nova desenhada.”
Pois bem. A Raízen — ( Shell+Cosan)— acaba de confirmar mais um o em sua longa reestruturação: a venda da usina Leme, considerada por analistas do BTG como a pior do portfólio da companhia. A operação faz parte de um esforço mais amplo para “desintoxicar” o balanço e realocar capital em ativos com maior retorno.
Quem acompanha o mercado com o ouvido no chão do canavial já vinha sentindo esse vento mudar. Desde 2024, escrevemos por aqui sobre os primeiros sinais: a mudança de comando, a saída discreta de executivos históricos, as tentativas de venda de ativos no Brasil e na Argentina, e até a contratação de bancos como Itaú BBA para ajudar a desatar os nós.
Mas não se engane: Vender uma usina deficitária não é o fim da história. É só o começo de um redesenho estratégico que visa manter a empresa viva num mercado cada vez mais competitivo — e pressionado.
Segundo o BTG Pactual, a venda foi acertada ao preço de R$ 310 milhões, mas “ainda há um longo caminho a percorrer”. A usina vendida estava rodando abaixo da capacidade, com moagem de apenas 1,3 milhão de toneladas de cana por safra — uma Ferrari engatada na terceira marcha.
E o que isso revela para o mercado?
1. A Raízen está no modo sobrevivência com inteligência.
Não se trata de encolhimento, mas de redirecionamento. Ela mantém o foco em ativos de maior retorno (como E2G, energia limpa e etanol de segunda geração) e tenta preservar a margem.
2. O Grupo Ometto, sócio do negócio, também parece reavaliar sua posição.
Há sinais — até da imprensa — de um distanciamento estratégico.
3. Distribuidoras, revendedores e fornecedores precisam ficar atentos.
Uma Raízen mais enxuta pode significar uma Raízen mais seletiva. Os contratos, o e e até a postura comercial podem mudar — e já estão mudando com o chamado para confiança no relacionamento .
4. O mercado de usinas está aquecendo.
Enquanto uns vendem, outros — inclusive estrangeiros — estão de olho para comprar, aproveitando o câmbio e as dívidas dos grupos tradicionais.
No final das contas, vender a pior cerca da fazenda pode ser bom negócio — se o plano for reconstruir o curral. Mas, como bom mineiro, deixo uma dica: antes de comemorar ou se desesperar, escute o silêncio entre as manchetes. Ele fala mais que muita coletiva de imprensa.
Fonte citada: BTG elogia venda de “pior usina” da Raízen, mas vê “longo caminho pela frente” — MoneyTimes, 13/05/2025.
*Wladimir Eustáquio Costa é CEO da e Postos, especialista em mercados internacionais de combustíveis, conselheiro e interventor nomeado pelo CADE, com foco em governança e estratégia no setor downstream.